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quinta-feira, 7 de março de 2013

Solidão (Parte 2: Todos se foram)

 
   Ninguém suportava aquela velha senhora do ap. 34, mas ela insistia em marcar sua presença, e todos acabavam abrindo suas portas a ela, por respeito à maior idade. Ela reclamava de tudo, da comida de entrega: “Aqui não faz pizza iguaLL faz em SP, já pedi todas da região, nada tem sabor!”; da limpeza dos corredores: “Já falei para a Juraci (a síndica), na hora que a ratazana aparecer no meio da criançada, quero ver essas mães correndo”; do cachorro que latia: “Eu tenho dois, mas eles não incomodam nada, já tenho dois para um fazer companhia para o outro”; da criança que chorava: “No meu tempo, não tinham esses mimos”, quando não queria escutar nada, tirava o aparelho, mas ela fazia questão de escutar. Já não cozinhava mais: “já cozinhei muito na vida, hoje só quero ser servida”; não varria a casa: “Tenho uma ajudante que faz tudo, meio devagar, mas é de confiança”; fumava, parecia uma chaminé, às vezes quando era flagrada no elevador: “Eu estou com o cigarro na boca, mas ele está apagado, só vou acender lá no pátio”; às vezes procurava uma ocupação: “Estou vendendo uns acessórios de Miami, vai lá no apartamento.”.

   Dona Maria era um pouco inconveniente, mas era uma figura, seus cabelos brancos presos, sua voz pigarreada, o vai e vém de marmitas na portaria (dividia tudo com os funcionários do prédio), dizia que comida demais atacava a gastrite. Sua presença constante, suas histórias de bailarina, do auge do clube e seus bailes, entre “éles” e “érres” enfeitados... Seu tempo não era o agora, “todos” tinham se ido, só sobrara ela.
 

 
 
Observação: O texto Solidão (Parte 1) será postado em breve. Eu escrevi na Oficina de Crônicas 2012 da Fundação Cultural de Curitiba (FCC). Ele foi selecionado e será publicado na Revista das Oficinas de Análise e Criação da FCC, edição comemorativa.
 
 

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