Ninguém suportava aquela
velha senhora do ap. 34, mas ela insistia em marcar sua presença, e todos
acabavam abrindo suas portas a ela, por respeito à maior idade. Ela reclamava
de tudo, da comida de entrega: “Aqui não faz pizza iguaLL faz em SP, já pedi todas
da região, nada tem sabor!”; da limpeza dos corredores: “Já falei para a Juraci
(a síndica), na hora que a ratazana aparecer no meio da criançada, quero ver
essas mães correndo”; do cachorro que latia: “Eu tenho dois, mas eles não
incomodam nada, já tenho dois para um fazer companhia para o outro”; da criança
que chorava: “No meu tempo, não tinham esses mimos”, quando não queria escutar
nada, tirava o aparelho, mas ela fazia questão de escutar. Já não cozinhava
mais: “já cozinhei muito na vida, hoje só quero ser servida”; não varria a
casa: “Tenho uma ajudante que faz tudo, meio devagar, mas é de confiança”;
fumava, parecia uma chaminé, às vezes quando era flagrada no elevador: “Eu estou com o cigarro na boca, mas ele está
apagado, só vou acender lá no pátio”; às vezes procurava uma ocupação: “Estou
vendendo uns acessórios de Miami, vai lá no apartamento.”.
Dona Maria era um pouco inconveniente, mas era uma figura, seus cabelos
brancos presos, sua voz pigarreada, o vai e vém de marmitas na portaria
(dividia tudo com os funcionários do prédio), dizia que comida demais atacava a
gastrite. Sua presença constante, suas histórias de bailarina, do auge do clube
e seus bailes, entre “éles” e “érres” enfeitados... Seu tempo não era o agora,
“todos” tinham se ido, só sobrara ela.
Observação: O texto Solidão
(Parte 1) será postado em breve. Eu escrevi na Oficina de Crônicas 2012 da Fundação Cultural de Curitiba (FCC). Ele
foi selecionado e será publicado na Revista das Oficinas de Análise e Criação da FCC, edição comemorativa.
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